5.06.2014

gare.

contas-me de não saberes quem esperas
se é pessoa de ainda não ter vindo por ti
conheço o mesmo assento e como maça

pois reparti contigo a fome que passas
e foi sempre quanto do que me alimentou

se vim só para dizer-te que compreendo

que não desconfies de quem aguardas
fica-me mais custado o bilhete
mas compreendo e devo dizer-to
e eu que sou quem espero que me vejas chegado
eu que sou quem já cá ando
vim dizer-te quem ele é e se vem
e eu que me enganei ao chegar
se não te pareço acontecer bem como aguardas
eu que apareci como ele chegaria e vim

fico contando-te quem é ele que esperas
cuidadoso para que seja verdade e acerte
e assim me mates a curiosidade
ao contares-me alegre quem eu sou.

4.04.2014

vivíamos nascidos para que não morrêssemos
a alimentar mãos de grão às perdizes pelas intenções da boca
numa fazenda também pensada para a vida
onde morrer ficava para quando a hora certa não andasse adiantada
digo com isto que não bastava chegar certeira
era sobretudo importante que estivesse permitida
morríamos então para depois dos muros
despedidos à pressa do trabalho e da família
porque empregues na morte numa tarefa a fio
para que nunca mais nos vissem ou soubessem de nós
morreram-me assim três irmãos
esquecidos da morada como se ingratos de termos uma
quer matássemos por eles ou nos amássemos por nós
se morremos sempre um a um sem que os outros contem para isso
fica-nos a pena maior que o prejuízo
fica-nos também o prejuízo
é claro
vivíamos agora mais sós
se o pai ainda a mesma pessoa que não bastava para nada
e a mãe dada ao luxo de ser exuberantemente pequena para que contasse
e depois só eu
mais de que quem não vale e só valendo por isso
conheci então uma jovem atribulada que nos veio pedir licença para certas coisas
depois de a apanharmos atirada para as nêsperas sem educação nenhuma
roubando da árvore para que fosse eu a aproveitar-me dos frutos na cama
foi por vivermos mais entretidos com a falta dos outros
que acrescentei mais pessoas a quem andávamos sendo
para que esvaziássemos a casa de quem não andava por lá
e fossemos morar cada vez mais onde vivíamos
até adormecermos cansados da gratidão de estarmos sendo cada um de novo
e não mais da preguiça de sermos só quem já não queríamos por tantas vezes
fizemo-nos mais quatro onde não cabíamos
para que coubéssemos todos
se há maneiras de nos encolhermos ao tamanho e peso de quem sejamos
nunca a altura do teto molhou cabeças
e não será o comprimento das paredes a largar-nos por fora de casa
ou a barriga de nasceres deixada miúda para que tenhamos espaço para todos
se não haveria espaço para ti
prometo.

12.31.2013

que só lhe duvidem do valor.

era de uma saúde muito estúpida
doíam-lhe as maneiras de dizer certas coisas
e tão mais as erradas
tanto que se calava ou fazia da boca
uma coisa que só nos calhou na cara porque havia de ser triste
tê-la ainda mais longe da cabeça
a falar de um canto do corpo sobre as razões da outra ponta
mas com isto digo que a lonjura lhe parecia ainda particularmente comprida
era pessoa de parecer ter vindo para ser outro assunto
como elaborando conspirações para maçar a preguiça dos outros
derrubar-se a si mesma para instaurar o seu próprio regime
gente de andar de costas mais voltas para a cabeça do que o resto
o olhar enfrentado para a frente e as costas bem colocadas para trás
como é comum mas mais ainda
um esforço para que os olhos esqueçam de estar postos no sítio e avancem
as costas atiradas para trás das costas numa pressa de pontaria
havia de calhar ser quem merecia tanto
indisposta do ofício minúsculo de si
tanto emprego da vida em não pertencer à moleza e ao morno
que haveria de ser tão duro e cheirar a esturro
e quem mereces ser e tanto
inquiri-lhe
para que não me respondesse nunca mais
que coisa tão séria merecia ser gente tão estranha
tão certamente algo de muito grave ou patético
mas vou achando ainda que andarmos tortos para a nossa cara é sobretudo torto
andar de cabeça tão para a frente e o que carregamos ficar tão para trás
as costas tão feitas para aguentar sem que os olhos reparem
quando a cabeça deve estar disposta a quantos olhos não se passem sobre as costas
o peso de costas que devemos à cabeça
julgo com muita pena que não me havia respondido por nunca acharmos boca para dizer
o que eu mereço ser e tanto é tão pouca coisa que se fosse precisa chegava a ser nada
não me havia respondido e assim mo disse
se não mereço grande coisa é por um tamanho apenas
um somente longo que haverá de ser o de não merecer nada.

11.27.2013

dos conselhos de aitofel.

a si lhe ameaçam a mariquice com lâminas e acha-se doente
febres vos atiram para cima e a cabeça vos soa como para isso
que o impedissem da sua altura o vi permitir
que nunca foi digno do seu tamanho a mim me parece
e que é bondoso não há dúvida mas muito duvido
perdoe-me mas terrivelmente duvido e com muita certeza
aliás
como conselheiro lhe aconselho que escute
é da concórdia dos rodapés e muito
da empresa dos sacripantas barbudos se existir tal coisa
ou nem que falte existir
que não haja impedimento aborrecido por haver impedimento
que você seja do que passa fome de haver se for verdade que o é
sua grandeza é prolixamente dada a ser quem lamentavelmente anda sendo e pronto
uma aptidão comprida de empatizar com o que falta dar nome
uma dádiva de parecer tarântula e sê-lo da maneira mais longa
e que sua bondade é bondosa não se discute e eu acredito
mas confira tão melhor que não há como ser bom sem duvidar disso
se há mais e tantas maneiras de não ser meticulosamente mau
sendo que não creio que possa ser melhor e tenho a certeza
claro
que péssimo ter fé que poderia estar errado e por isso tenha-a por mim e tenha muita
que parvíssimo das ideias se julgasse que a minha humildade merece a sua atenção
mais do que o gozo de assistir à minha lama
mas atente que eu sou da ignorância todos os dias e quem melhor do que um lerdaço
para agir tão bem na destreza da sua imensa ou muita lerdice
lá me faço do que sou e tiro um feriado ou outro sem que minha própria imperícia
se aperceba
e para isso convoco muita esperteza ainda que pouca
confie se lho digo
por exemplo
deixou que o danassem no seu território
perdeu a sua gente para fora das fronteiras
permitiu que o seu vómito lhe fosse dirigido a si mesmo
é de um sangue que verte em anedota
por ser real e ser mentira
por merecê-lo todo dentro para que esteja vivo e lhe doa pela vida dentro
e todo fora para que esteja morto pela vida fora.