taberna impessoal

do outro lado da mesa, o meu pai abre a carcaça do pão com a navalha suja de cevo. antes que as migalhas sejam demasiado inúteis para que persistam em existir, esvoaçam e voluteiam condulentes ao som da grafonola. a partitura soa esquizofrénica entre as compassadas respirações do meu irmão, custosas e fatídicas. ninguém boceja com a madrugada. é tarde e todos se embalam ao adormecer. o meu irmão transpira ao meu lado e espera que o próximo movimento do meu pai não lhe corte o ar. aguarda que o seu punho não se debata com a mesa e atemoriza-se com um urro que estilha o silêncio em bocados tão próximos como os da chávena a seus pés. o bafo do meu irmão cheira a febre mas não ouso afastar a cara.
quando o meu pai se levanta, vejo-lhe o decote e os seios. a face rosada. as suas mãos de mulher esquecida pelo tempo. é minha mãe, afinal. é só ela que atravessa a porta da nossa nefasta casa. é só ela que passa absorta ao lado do nosso quarto, sem desabotoar a dor, sem abrir a porta, sem lembrar como se suja um vestido ao entornar o cálice. este cálice que é serviçal de todos os que cantarolarem embriagados.
os nossos órgãos degeneram dos nossos passos. ejaculados como carniça, choramos com os violinos de um qualquer fado. somos bastardos. filhos infecundos de um útero que desflorou ao som lento e pervertido do pecado.