12.21.2010

monsieur et des masques

estou a tentar vender-lhe a sua vida, senhor.
na minha mão tenho a sua casa
e é por não vê-la, e é por não caber,
e é por ela não existir, senhor,
que ela me serve se a calçar.
como custou nascer do avesso!
quis imenso ficar recitando o pavor das vozes,
mas fui apavorado morar na cadeia porque me enganei
no endereço e não havia como pedir perdão.
e um dia adormeci nos seus braços, senhor,
e você dizia-me que havia quem roubasse a sua própria vida
para não ter de comprá-la ou dividi-la com quem também não a queria.
e eu nunca a quis, senhor. nem a minha, nem a sua,
nem a que tenho hoje vestida.
falo da roupa e não da vida. se falasse da vida, não a vestia.
mandava que o alfaiate me fizesse o seu melhor fato,
e pagava a dívida com a própria vida.
não me interprete mal, senhor,
pois não estou a tentar transmitir nada.
nada há que interpretar nas dúvidas que disse,
e nas que não disse ficou uma mágoa tão grande
que não há como querer perguntar.
estou a tentar vender-lhe a sua vida, senhor,
pois sua mulher é um travesti que vejo ao espelho,
e quis eu ser um espelho e nunca sua mulher.
pois eu nunca me perdoei de ser sua, senhor,
de ser qualquer coisa que não um relógio
(para ter tempo e ter ponteiros,
e perceber que todo o tempo são ponteiros que giram, sem recorrer a agulhas.),
nem nunca perdoei o senhor de me dizer que não sou um espelho.
você não é um espelho, mulher! você é quem chora sobre ele.
pois enganou-se, senhor, sempre,
sempre se enganou, monsieur,
eu sou quem lhe tenta vender a vida,
quem inventou uma boca na face só para o beijar,
e hoje a descolo da sua ou invento uma nova,
e dito todos os ditados que aprendi
porque tenho ainda pregada no ombro uma boca rabugenta
dizendo-me que dividi mal as sílabas
como se as sílabas picassem!
e como sempre me engano a dividir, senhor,
a perder o tempo, a pendurar as agulhas nas veias,
para que o tempo sejam só dois ponteiros
(tão menos afiados que as agulhas que me prometem
deixar as horas nos relógios e os verbos nas gramáticas.)
se fossem três horas, senhor, seriam sete,
pois às sete o tempo deixa que o conheçamos frio.
(tenho frio e são três.)
de que serviu deixar todos os poemas ao abrigo dos pássaros,
se os podíamos ter servido durante o jantar,
e desmembrar-lhes a poesia sobre a terrina, senhor?

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