4.04.2014

vivíamos nascidos para que não morrêssemos
a alimentar mãos de grão às perdizes pelas intenções da boca
numa fazenda também pensada para a vida
onde morrer ficava para quando a hora certa não andasse adiantada
digo com isto que não bastava chegar certeira
era sobretudo importante que estivesse permitida
morríamos então para depois dos muros
despedidos à pressa do trabalho e da família
porque empregues na morte numa tarefa a fio
para que nunca mais nos vissem ou soubessem de nós
morreram-me assim três irmãos
esquecidos da morada como se ingratos de termos uma
quer matássemos por eles ou nos amássemos por nós
se morremos sempre um a um sem que os outros contem para isso
fica-nos a pena maior que o prejuízo
fica-nos também o prejuízo
é claro
vivíamos agora mais sós
se o pai ainda a mesma pessoa que não bastava para nada
e a mãe dada ao luxo de ser exuberantemente pequena para que contasse
e depois só eu
mais de que quem não vale e só valendo por isso
conheci então uma jovem atribulada que nos veio pedir licença para certas coisas
depois de a apanharmos atirada para as nêsperas sem educação nenhuma
roubando da árvore para que fosse eu a aproveitar-me dos frutos na cama
foi por vivermos mais entretidos com a falta dos outros
que acrescentei mais pessoas a quem andávamos sendo
para que esvaziássemos a casa de quem não andava por lá
e fossemos morar cada vez mais onde vivíamos
até adormecermos cansados da gratidão de estarmos sendo cada um de novo
e não mais da preguiça de sermos só quem já não queríamos por tantas vezes
fizemo-nos mais quatro onde não cabíamos
para que coubéssemos todos
se há maneiras de nos encolhermos ao tamanho e peso de quem sejamos
nunca a altura do teto molhou cabeças
e não será o comprimento das paredes a largar-nos por fora de casa
ou a barriga de nasceres deixada miúda para que tenhamos espaço para todos
se não haveria espaço para ti
prometo.

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